Edmundo Cordeiro (2007. Pág. 120) sobre as
origens da ficção científica concorda com Javier Memba e afirma que apesar de
alguns autores sugerirem que a FC tem a sua génese na Odisseia de Homero é
“mais aceitável fazê-la começar na obra de Mary Shelley, Frankenstein”, sem esquecer obras como “a Utopia de Thomas Moore (1516) e A
Nova Altlântida, de Francis Bacon (1627) ou as Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift (1726)”.
O artista plástico Ward Shelley criou uma
infografia muito interessante com a evolução da Ficção Científica e dos seus
subgéneros intitulada History of Science
Fiction (outras denominações em inglês para FC são “Sci fi” ou “SF”). Nesta infografia/ilustração aparece de forma tímida a
referência a um conto de Voltaire intitulado Micromégas, Histoire Philosophic. Depois de uma leitura atenta
parece-me que o pequeno conto tem todos os ingredientes para ser considerado
uma obra de Ficção Científica.
Thomas Disch (2000. Pág. 34) afirma que “[Edgar Allan] Poe is the source, because
people read his stories.” Relutante (devido à questão de Shelley não ter um
tão grande número de leitores e não ser tão influente), Disch (2000.
Pág.33), confirma a maternidade de Mary
Shelley: “(...) there remains one
significant rival to Edgar Allan Poe as the genre’s founding genius: Mary
Shelley, the author of Frankenstein (1818).”
Mas voltemos a Voltaire. Thomas Disch (2000.
Pág. 32) infelizmente não o inclui na sua lista de “Proto-SF writers” na qual refere nomes como Rabelais, Cyrano de
Bergerac e Jonathan Swift. Farei de seguida um pequeno resumo do conto de
Voltaire (Micromégas, Histoire Philosophic) que pode ser lido online no sítio do Projeto Gutenberg (www.gutenberg.org).
Micromégas é um jovem habitante de um planeta
que orbita Sirius. O jovem cientista e inventor é, quando comparado com a raça
humana, um ser de enormes proporções e com um ciclo de vida incomparavelmente
maior.
Após dissecar pequenos animais (pulgas) do seu
planeta escreveu um livro sobre o assunto, o livro foi considerado herético e
Micromégas foi banido por 800 anos. Viajou pelo universo: “Our voyager was very familiar with the laws
of gravity and with all the other attractive and repulsive forces. He utilized
them so well that, whether with the help of a ray of sunlight or some comet, he
jumped from globe to globe like a bird vaulting itself from branch to branch.”
Após conhecer vários planetas e vários seres
Micromégas chegou a Saturno e espantou-se com o reduzido tamanho dos seus
habitantes, o número reduzido dos seus sentidos e o curto ciclo de vida (apenas
15.000 anos).
Micromégas e um saturniano filósofo (secretário
da academia) com quem fez amizade decidiram viajar juntos e, depois de correrem
alguns planetas do sistema solar, aterraram no planeta Terra na sua nave
espacial. Ao princípio o saturniano julgou ser um planeta desabitado, depois
encontraram uma baleia com o auxíio de um microscópio numa pequena poça (Mar
Báltico) e por fim um barco com vários humanos a bordo.
Micromégas apercebeu-se de que os pequenos
seres (“átomos”) falavam entre si, como não os conseguia ouvir cortou um
pequeno pedaço da sua unha e usou-a como amplificador para escutar o que os
seres diziam. Usou depois um palito para poder falar com eles reduzindo a
intensidade da sua voz.
Micromégas, o saturniano e os filósofos e
cientistas a bordo da nave trocaram ideias e conhecimentos científicos. Falaram
de guerras e da alma. Micromégas apercebeu-se que, apesar de minúsculos, o seu
ego e orgulho era gigante pois no fim da conversa um deles afirmou: (...) everything would be
found in the Summa of Saint
Thomas. He looked the two celestial inhabitants up and down. He argued that
their people, their worlds, their suns, their stars, had all been made uniquely
for mankind. At this speech, our two voyagers nearly fell over with that
inextinguishable laughter (…)”.
Micromégas com grande gentileza promete-lhes um
livro com o “sentido de tudo”. Mais tarde, na academia das ciências em Paris,
um velho secretário abre e percebe que as folhas do livro estão em branco.
Jasmina Milos (2011. Pág. 8), na sua tese Micromégas: Traduction d’un conte de Voltaire informa-nos que “Micromégas a été rédigé en 1739 et
publié en 1752, pendant que Voltaire était en Prusse”. José Barros, no seu artigo Voltaire:
Considerações sobre sua Historiografia e Filosofia da História (Revista da
Teoria da História Ano 3, Número 7, Jun/ 2012. Universidade Federal de Goiás)
diz-nos que: “Com Micromégas (1752),
Voltaire chega a prenunciar o género da ficção científica (…)”. Parece-me que o conto é evidentemente uma obra de FC...
Na Biblioteca do sítio da The European Graduate School: Graduate & PostGraduate Studies (www.egs.edu) temos acesso a uma sucinta
biografia de Voltaire onde podemos ler uma clara referência ao texto sobre
Micromégas e seu companheiro saturniano: “In
Potsdam Voltaire wrote perhaps one of the first science-fiction novels
involving representatives from other planets looking at humans on earth.”
Ainda no assunto dos “Proto-SF Writers” Robert Grant (2013. Pág. 208) antes de nos
mostrar a sua lista selecionada de literatura de FC (que começa com a obra de
Mary Shelley) diz-nos que apesar de podermos traçar a origem do género até ao Épico
de Gilgamesh (parece-me exagero!) é mais provável que tenha surgido no séc. XVII com as obras Somnium de Kepler e The other world de Bergerac,
continuando a desenvolver-se no séc. XVIII com trabalhos de Swift, Defoe entre
outros. Carl Sagan na sua famosa série televisiva Cosmos, no episódio Harmony of
the Worlds indica a obra de Johannes Kepler – Somnium – como uma das primeiras obra de Ficção Científica. Uma
fantástica viagem à Lua publicada postumamente pelo seu filho em 1634. No sítio
www.johanneskepler.info o conto é
anunciado como a primeira obra do género.
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