segunda-feira, maio 19, 2014

História do Cinema I

Paulo Cunha, no seu texto “O Cinema e a Educação no Estado Novo: o caso da Comissão de Cinema Educativo (1932)” refere-se à famosa sessão pública dos irmãos Lumière, aceite por muitos como data oficial do nascimento da Sétima Arte, como a sexta projeção pública do cinematógrafo. No mesmo ano, meses antes da famosa sessão pública, as primeiras cinco sessões “foram orientadas para um público especializado composto por industriais, fotógrafos, cientistas e académicos, respectivamente, e para a legitimação  científica da recente invenção.” Os filmes projetados foram feitos no ano anterior. 
Se não aceitarmos a sessão pública de 22 de março de 1895 no Salon Indien do Grand Café como a data de nascimento do Cinema, torna-se complicado datar a invenção. A verdade é que o Kinetoscópio de Thomas Edison precede a invenção dos Lumière, que ganharam a corrida na questão da projeção das imagens em movimento. 
Temos ainda um outro caso deveras interessante, o Théàtre Optique de Émile Reynaud. O projeto de Reynaud precede também o cinematógrafo. O Teatro Óptico era Cinema como o conhecemos nos dias de hoje, um projeto audiovisual de Cinema de Animação. Apesar de o ter previsto, Reynaud não utilizou a fotografia, utilizou a pintura para produzir o que hoje sabemos serem os primeiros filmes de Animação. O seu projeto antecede o “oficial” nascimento do Cinema e é um espetáculo audiovisual a cores. O Teatro Óptico consistia de um Praxinoscópio ligado a uma Lanterna Mágica, a projeção era feita sobre uma tela. Infelizmente só chegaram à atualidade dois filmes deste animador. 
O realizador Peter Kubelka afirma que Marey (cronofotógrafo) é o pai do cinema. Marey antecede os irmãos Lumière e esta afirmação coloca (também) em causa a polémica data de nascimento da Sétima Arte.
A cronologia tripartida cinema mudo, sonoro e a cores não corresponde à real história do Cinema. É antes uma simplificação que oculta a sua verdadeira História(s). Apesar da controversa datação do Cinema, podemos dizer que depois dos irmãos Lumière o cinema tornou-se rapidamente um espetáculo à escala global.

segunda-feira, maio 05, 2014

Som Cinematográfico I

No livro "O ABC da linguagem Cinematográfica", de Arcangelo Mizzoleni, o autor apresenta-nos os sons cinematográficos divididos em três categorias:

- As Palavras e as Vozes
- Os Ruídos
- A Música

A música pode ser diegética ou extradiegética. No primeiro caso serve o propósito de "reforçar e aumentar a ilusão de realidade", no segundo caso tem "a função de sonorizar a ação ou ampliar o efeito emocional".
Os ruídos podem ser captados durante as filmagens, pós-sincronizados ou misturados em estúdio.
As palavras e as vozes podem ser divididas em três categorias. Os diálogos dos personagens, a narração do filme e o conceito de "palavra-emanação" que mais não são do que murmúrios ininteligíveis (conceito do autor Michael Chion).

Os sons no espaço fílmico podem ser sons internos (dentro de campo), sons fora de campo e sons do tipo over. Uma profundidade de campo sonora pode ser trabalhada como a profundidade de campo visual. Se um personagem é enquadrado usando um Grande Plano deveremos ouvi-lo mais distintamente caso o personagem fosse enquadrado em Plano Geral, ou seja, se o personagem está mais afastado da câmara devemos ouvi-lo com maior dificuldade se ele estivesse mais próximo da câmara, onde o deveremos ouvir com maior facilidade.

Nas relações temporais entre sons e imagens temos a sincronia/ assincronia e o paralelismo/contraponto audiovisual.
A primeira dupla conceptual refere-se à sincronização da imagem e do som ou a quebra dessa simultaneidade. Os desfasamentos temporais (assincronia) podem ser atrasos e antecipações. A assincronia é útil nos flashbacks quando a imagem de alguém que conta uma história é substituída por uma imagem do passado mas continuamos a ouvir a voz do que narra.
A segunda dupla conceptual (conceito de Siegfried Kracauer) é mais complexa e irei transcrever aqui as palavras do autor Arcangelo Mizzoleni  para que seja claro:

"Há paralelismo quando por um lado, o som e, por outro lado, as imagens sincronizadas com o mesmo exprimem significados paralelos. Neste caso, o "peso" da da comunicação recai sobre um dos dois termos: no caso de um diálogo, por exemplo, as palavras podem ser mais importantes e as imagens passam para segundo plano; podem também prevalecer as imagens: os gestos, a fisionomia de quem fala exprimem os seus sentimentos "de um modo tão eficaz que as palavras pronunciadas em simultâneo se tornam uma mera repetição do que as imagens dizem" (...)
No contraponto, a linguagem verbal e as imagens assumem significados diferentes, na medida em que, como afirma agora Kracauer, "as imagens não são paralelas às expressões verbais de quem fala, mas contém coisas que não estão contidas nas palavras. Talvez um grande plano do rosto revele que quem fala é um hipócrita. (...)
No contraponto, imagens e palavras não confirmam os mesmo significados; produzem, sim, um significado novo e diferente que nasce da sua interacção."

Em relação ao narrador, Luís Nogueira no seu livro "Manuais do Cinema I: Laboratório de Guionismo", refere-se às suas categorias e nomeia-os: narrador autodiegético, homodiegético e heterodiegético.
O narrador autodiegético conta a história na primeira pessoa, ou seja, é o protagonista do filme. O narrador homodiegético conta a história como personagem participante, mas não é o protagonista. O narrador heterodiegético não pertence à diegese da narrativa que conta, é, portanto, exterior à realidade do filme.
Luís Nogueira fala-nos ainda da focalização, que corresponde ao ponto de vista da narração da história: 

"A focalização condiciona o que as personagens sabem, o que o narrador sabe e, consequentemente, o que o espectador sabe.
Uma primeira modalidade é a da focalização externa: aqui toda a informação veiculada é objectivamente observável, sendo reveladas apenas as características materiais e superficiais de eventos e personagens. Quer isto dizer que existe sempre uma posição de exterioridade em relação às causas dos acontecimentos ou à caracterização das personagens. (...) 
A focalização interna refere-se ao campo de consciência de uma personagem, àquilo que sabemos a partir dela, ou seja, tudo que ela vê, tudo o que ela sabe, sente ou pensa. (...)
Sobre a focalização omnisciente diremos que configura uma situação de transcendência cognitiva, em que tudo pode ser sabido. Neste caso, o narrador faz uso de uma capacidade de conhecimento ilimitada, como se nada escapasse ao seu saber."

Parece-me pertinente referir aqui o "Efeito Rashomon" em que temos vários narradores cujos relatos são contraditórios, ou seja, a descrição de um determinado evento é apresentada ao espectador sob o ponto de vista de diferentes personagens que se contradizem. O termo deriva do filme "Rashomon" de Akira Kurosawa.

Robert Edgar-Hunt no seu livro "Directing Fiction" fala (brevemente) sobre uma área que me interessa e que tem um enorme potencial no Cinema e mais especificamente no Cinema de Animação: Foley.
O autor refere que o Foley (em França usam a expressão Bruitage) se pode referir a várias coisas: o soudscape de um filme, a regravação de vozes depois de terminado o filme e os efeitos sonoros. Interessa-me mais este último - os efeitos sonoros. O vocábulo Foley surge do nome de Jack Foley (1891-1967) que foi engenheiro de som em Hollywood.

Um artista Foley para Animação produz sons/ruídos a partir de elementos que podem ser considerados objetos do quotidiano ou mesmo lixo. No site da revista Empire podemos ler o seguinte no artigo On-set Jargon Explained (www.empireonline.com/features/film-studies-101-film-terms-explained): 

"(...) Foley artists might smack a piece of leather to get a good punching sound, or snap a carrot when a bone is broken. For scenes of disembowelment, the squelching of pasta is a favourite."

Tive a felicidade de assistir à masterclass de Loic Burkhardt (www.imdb.com/name/nm1051768/) durante o Festival A Monstra em 2011 e fui surpreendido pela capacidade do Loic em simular o voo de um pássaro com um simples pano... entre outros truques. Para os que afirmam que mais de 50% de uma animação é o som tenho de sublinhar que um bom artista Foley é de extrema importância.

Em relação à composição para cinema (score ou soundtrack) parece-me pertinente referir alguns nomes que criaram as bandas sonoras que eu gosto e que muita gente admira. São músicas que nos marcam e que fazem parte da cultura popular.

Bernard Herrmann
Ennio Morricone
John Williams
Alan Silvestri