segunda-feira, maio 19, 2014

História do Cinema I

Paulo Cunha, no seu texto “O Cinema e a Educação no Estado Novo: o caso da Comissão de Cinema Educativo (1932)” refere-se à famosa sessão pública dos irmãos Lumière, aceite por muitos como data oficial do nascimento da Sétima Arte, como a sexta projeção pública do cinematógrafo. No mesmo ano, meses antes da famosa sessão pública, as primeiras cinco sessões “foram orientadas para um público especializado composto por industriais, fotógrafos, cientistas e académicos, respectivamente, e para a legitimação  científica da recente invenção.” Os filmes projetados foram feitos no ano anterior. 
Se não aceitarmos a sessão pública de 22 de março de 1895 no Salon Indien do Grand Café como a data de nascimento do Cinema, torna-se complicado datar a invenção. A verdade é que o Kinetoscópio de Thomas Edison precede a invenção dos Lumière, que ganharam a corrida na questão da projeção das imagens em movimento. 
Temos ainda um outro caso deveras interessante, o Théàtre Optique de Émile Reynaud. O projeto de Reynaud precede também o cinematógrafo. O Teatro Óptico era Cinema como o conhecemos nos dias de hoje, um projeto audiovisual de Cinema de Animação. Apesar de o ter previsto, Reynaud não utilizou a fotografia, utilizou a pintura para produzir o que hoje sabemos serem os primeiros filmes de Animação. O seu projeto antecede o “oficial” nascimento do Cinema e é um espetáculo audiovisual a cores. O Teatro Óptico consistia de um Praxinoscópio ligado a uma Lanterna Mágica, a projeção era feita sobre uma tela. Infelizmente só chegaram à atualidade dois filmes deste animador. 
O realizador Peter Kubelka afirma que Marey (cronofotógrafo) é o pai do cinema. Marey antecede os irmãos Lumière e esta afirmação coloca (também) em causa a polémica data de nascimento da Sétima Arte.
A cronologia tripartida cinema mudo, sonoro e a cores não corresponde à real história do Cinema. É antes uma simplificação que oculta a sua verdadeira História(s). Apesar da controversa datação do Cinema, podemos dizer que depois dos irmãos Lumière o cinema tornou-se rapidamente um espetáculo à escala global.

segunda-feira, maio 05, 2014

Som Cinematográfico I

No livro "O ABC da linguagem Cinematográfica", de Arcangelo Mizzoleni, o autor apresenta-nos os sons cinematográficos divididos em três categorias:

- As Palavras e as Vozes
- Os Ruídos
- A Música

A música pode ser diegética ou extradiegética. No primeiro caso serve o propósito de "reforçar e aumentar a ilusão de realidade", no segundo caso tem "a função de sonorizar a ação ou ampliar o efeito emocional".
Os ruídos podem ser captados durante as filmagens, pós-sincronizados ou misturados em estúdio.
As palavras e as vozes podem ser divididas em três categorias. Os diálogos dos personagens, a narração do filme e o conceito de "palavra-emanação" que mais não são do que murmúrios ininteligíveis (conceito do autor Michael Chion).

Os sons no espaço fílmico podem ser sons internos (dentro de campo), sons fora de campo e sons do tipo over. Uma profundidade de campo sonora pode ser trabalhada como a profundidade de campo visual. Se um personagem é enquadrado usando um Grande Plano deveremos ouvi-lo mais distintamente caso o personagem fosse enquadrado em Plano Geral, ou seja, se o personagem está mais afastado da câmara devemos ouvi-lo com maior dificuldade se ele estivesse mais próximo da câmara, onde o deveremos ouvir com maior facilidade.

Nas relações temporais entre sons e imagens temos a sincronia/ assincronia e o paralelismo/contraponto audiovisual.
A primeira dupla conceptual refere-se à sincronização da imagem e do som ou a quebra dessa simultaneidade. Os desfasamentos temporais (assincronia) podem ser atrasos e antecipações. A assincronia é útil nos flashbacks quando a imagem de alguém que conta uma história é substituída por uma imagem do passado mas continuamos a ouvir a voz do que narra.
A segunda dupla conceptual (conceito de Siegfried Kracauer) é mais complexa e irei transcrever aqui as palavras do autor Arcangelo Mizzoleni  para que seja claro:

"Há paralelismo quando por um lado, o som e, por outro lado, as imagens sincronizadas com o mesmo exprimem significados paralelos. Neste caso, o "peso" da da comunicação recai sobre um dos dois termos: no caso de um diálogo, por exemplo, as palavras podem ser mais importantes e as imagens passam para segundo plano; podem também prevalecer as imagens: os gestos, a fisionomia de quem fala exprimem os seus sentimentos "de um modo tão eficaz que as palavras pronunciadas em simultâneo se tornam uma mera repetição do que as imagens dizem" (...)
No contraponto, a linguagem verbal e as imagens assumem significados diferentes, na medida em que, como afirma agora Kracauer, "as imagens não são paralelas às expressões verbais de quem fala, mas contém coisas que não estão contidas nas palavras. Talvez um grande plano do rosto revele que quem fala é um hipócrita. (...)
No contraponto, imagens e palavras não confirmam os mesmo significados; produzem, sim, um significado novo e diferente que nasce da sua interacção."

Em relação ao narrador, Luís Nogueira no seu livro "Manuais do Cinema I: Laboratório de Guionismo", refere-se às suas categorias e nomeia-os: narrador autodiegético, homodiegético e heterodiegético.
O narrador autodiegético conta a história na primeira pessoa, ou seja, é o protagonista do filme. O narrador homodiegético conta a história como personagem participante, mas não é o protagonista. O narrador heterodiegético não pertence à diegese da narrativa que conta, é, portanto, exterior à realidade do filme.
Luís Nogueira fala-nos ainda da focalização, que corresponde ao ponto de vista da narração da história: 

"A focalização condiciona o que as personagens sabem, o que o narrador sabe e, consequentemente, o que o espectador sabe.
Uma primeira modalidade é a da focalização externa: aqui toda a informação veiculada é objectivamente observável, sendo reveladas apenas as características materiais e superficiais de eventos e personagens. Quer isto dizer que existe sempre uma posição de exterioridade em relação às causas dos acontecimentos ou à caracterização das personagens. (...) 
A focalização interna refere-se ao campo de consciência de uma personagem, àquilo que sabemos a partir dela, ou seja, tudo que ela vê, tudo o que ela sabe, sente ou pensa. (...)
Sobre a focalização omnisciente diremos que configura uma situação de transcendência cognitiva, em que tudo pode ser sabido. Neste caso, o narrador faz uso de uma capacidade de conhecimento ilimitada, como se nada escapasse ao seu saber."

Parece-me pertinente referir aqui o "Efeito Rashomon" em que temos vários narradores cujos relatos são contraditórios, ou seja, a descrição de um determinado evento é apresentada ao espectador sob o ponto de vista de diferentes personagens que se contradizem. O termo deriva do filme "Rashomon" de Akira Kurosawa.

Robert Edgar-Hunt no seu livro "Directing Fiction" fala (brevemente) sobre uma área que me interessa e que tem um enorme potencial no Cinema e mais especificamente no Cinema de Animação: Foley.
O autor refere que o Foley (em França usam a expressão Bruitage) se pode referir a várias coisas: o soudscape de um filme, a regravação de vozes depois de terminado o filme e os efeitos sonoros. Interessa-me mais este último - os efeitos sonoros. O vocábulo Foley surge do nome de Jack Foley (1891-1967) que foi engenheiro de som em Hollywood.

Um artista Foley para Animação produz sons/ruídos a partir de elementos que podem ser considerados objetos do quotidiano ou mesmo lixo. No site da revista Empire podemos ler o seguinte no artigo On-set Jargon Explained (www.empireonline.com/features/film-studies-101-film-terms-explained): 

"(...) Foley artists might smack a piece of leather to get a good punching sound, or snap a carrot when a bone is broken. For scenes of disembowelment, the squelching of pasta is a favourite."

Tive a felicidade de assistir à masterclass de Loic Burkhardt (www.imdb.com/name/nm1051768/) durante o Festival A Monstra em 2011 e fui surpreendido pela capacidade do Loic em simular o voo de um pássaro com um simples pano... entre outros truques. Para os que afirmam que mais de 50% de uma animação é o som tenho de sublinhar que um bom artista Foley é de extrema importância.

Em relação à composição para cinema (score ou soundtrack) parece-me pertinente referir alguns nomes que criaram as bandas sonoras que eu gosto e que muita gente admira. São músicas que nos marcam e que fazem parte da cultura popular.

Bernard Herrmann
Ennio Morricone
John Williams
Alan Silvestri

quarta-feira, abril 23, 2014

Sinopse e Argumento

Doc Comparato, no seu livro “Da Criação ao Guião”, não distingue sinopse de argumento. Para ele são uma e a mesma coisa. Refere que o “argumento, ou a sinopse, é a story line desenvolvida sob a forma de texto” e prossegue com a etimologia das palavras argumentum (latim) e sinopsis (grego), concluindo que ambos os termos tendem a confluir. Comparato considera a sinopse o resumo de uma história e nomeia dois tipos de sinopse, a pequena sinopse e a grande sinopse. A primeira vai de duas a cinco folhas, a segunda, que pode incluir diálogo, ocupa dez fólios por cada hora de audiovisual, ou seja um total de quarenta páginas por cada hora.
Luís Nogueira (Manuais do Cinema do LabCom) afirma que a sinopse pode ser mais ou menos extensa e é indispensável na criação do guião cinematográfico. O autor propõe uma distinção entre sinopse narrativa e sinopse criativa:

“A sinopse narrativa ocupa-se da história. Como a etimologia do termo indica (do grego syn: em conjunto + ópsis: visão), a sinopse é um texto ou um relato que nos permite ter uma visão de conjunto da história, ou seja, é um resumo, uma síntese, da qual constam (e apenas) os elementos fundamentais daquela. Usa-se também com frequência e sinonimamente a expressão anglófona story line, o que não deixa de ser correcto (…)
Mas podemos igualmente falar de uma sinopse criativa, a qual englobaria juntamente com a história todo um conjunto de informações que a envolvem e a transcendem: o género do filme, o currículo dos autores, o palmarés dos actores ou as opiniões críticas acerca da obra, por exemplo. Assim, podemos dizer que se a sinopse narrativa efectua um resumo da história, a sinopse criativa faz um resumo da obra.”

Terrence Marner, no seu livro “A Realização Cinematográfica”, refere-se ao “argumento cinematográfico” como um “desenvolvimento da sinopse” ou, ainda um “guião literário”. Inclui também o uso de diálogo:

“Trata-se de uma exposição mais vasta do tema, semelhante à forma de um conto. Quando for necessário o diálogo para que progrida o entrecho ou para dar a conhecer facetas de uma determinada personagem, o texto é mencionado entre aspas, como na literatura, e não se separa, como acontece na peça de teatro ou no guião cinematográfico.”

Convém referir que Marner distingue entre “sinopse” e “desenvolvimento da sinopse”. O autor define que a sinopse tem cinco páginas e que o seu desenvolvimento tem cinquenta páginas. O número de páginas que o autor indica não é uma regra, mas sim, segundo o próprio, uma orientação.
Parent-Altier diz-nos que a escrita da sinopse é uma das técnicas incontornáveis da gestão da estrutura narrativa, permite organizar e alterar a cronologia da obra: “A maioria dos argumentistas anglo-saxónicos tem o hábito de começar pela sinopse, gerando assim a estrutura da narrativa antes de entrar nos pormenores de uma cena ou de uma sequência.” O autor explica que existem várias formas de sinopse e enumera-as:

“(...) 1. a sinopse curta, que tem meia página; 2. a sinopse longa, (...) que tem uma, duas ou três páginas; 3. o tratamento, uma sinopse pormenorizada que estabelece o histórico do enredo e da acção, em prosa, no tempo presente, sem diálogo, que pode ter até 50 páginas (...); 4. o outline: (...) é um resumo do argumento cena por cena, sem diálogo; 5. o step-outline, (...) é o «argumento contado passo a passo numa sucessão de cenas numeradas por ordem, tendo para cada cena uma frase que resume a acção que decorre».”

O autor, depois de afirmar que as duas primeiras formas de sinopse enumeradas são indispensáveis, determina que a sinopse curta “resume o enredo em poucas palavras, descreve a história e, implicitamente, o tema”. Refere ainda que o pitch é “a versão oral da sinopse utilizada pelos argumentistas do outro lado do Atlântico aquando da apresentação inicial do seu projeto a um produtor.” Michael Hauge, na sua palestra “Michael Hauge on pitching”, para a Screen Australia, disponível no sítio oficial (http://screenaustralia.gov.au), defende que a melhor forma de vender uma ideia para um filme é através do pitching. O autor estabelece que o pitch deve integrar os seguintes passos: 1º Protagonista; 2º Quotidiano; 3º Oportunidade; 4. Nova situação; 5. Objetivo; 6. Conflito.
A segunda e indispensável forma de sinopse que Parent-Altier refere é a sinopse longa. Em relação a esta o autor diz-nos o seguinte:

“A sinopse mais organizada organiza-se em torno de dispositivos narrativos estruturais, como o acto. Os acontecimentos-chave do enredo, o incidente desencadeador, as crises, o clímax e a resolução estão nele inscritos, bem como as reviravoltas de situações.”

É importante referir que Parent-Altier não faz distinção entre argumento e guião, portanto, o argumento de que fala, e a formatação de texto que exemplifica no seu livro, corresponde à do guião para outros autores.
Na lista, Parent-Altier, não menciona outros termos como logline e storyline que João Nunes explica e desenvolve no seu blogue. Em relação ao primeiro diz-nos que: “A logline é ape­nas a des­cri­ção des­tes três ele­men­tos – pro­ta­go­nista, objec­tivo e obs­tá­culo – num único pará­grafo, na forma mais sin­té­tica pos­sí­vel.” Em relação ao Segundo termo, João Nunes avisa-nos que se utiliza com frequência “a expres­são story­line como sinó­nimo de enredo (plot)” pelo que o seu uso pode ser confuso. A storyline é também “o resumo mais sin­té­tico da estó­ria completa.
João Nunes explica-nos também no seu blogue que o termo outline e mais especificamente o step-outline é chamado, em Portugal, de “escaleta”. Palavra italiana que significa escada, introduzida no nosso país pela mão da argumentista Suso Cecchi D'Amico.

Doc Comparato, ao contrário de Parent-Altier, estabelece uma distinção entre argumento e guião, afirmando: “Quanto a nós, o argumentista é o “fazedor de histórias”, enquanto que o guionista é “aquele que escreve o guião”, embora normalmente as duas funções sejam desempenhadas por uma mesma pessoa.”
Rui Zink (1999. Pág. 36) no seu livro “Literatura Gráfica? Banda Desenhada Portuguesa Contemporânea” contraria Comparato e diz-nos que “Argumentista ou guionista são expressões equivalentes, transpostas do cinema para a BD por analogia.” Zink afirma ainda que o argumentista (ou guionista), muitas vezes, não é o autor da narrativa e o seu papel é o do intermediário cujo trabalho técnico não artístico. Ele contrapõe argumentista/ guionista a escritor e atribui ao último o papel de autor criativo, opondo-o ao de simples técnico capacitado para a escrita cinematográfica.

Não há consenso em relação a este tema, diferentes autores possuem perspetivas distintas e por vezes contraditórias entre si.

Ficção Científica I: Origens

Edmundo Cordeiro (2007. Pág. 120) sobre as origens da ficção científica concorda com Javier Memba e afirma que apesar de alguns autores sugerirem que a FC tem a sua génese na Odisseia de Homero é “mais aceitável fazê-la começar na obra de Mary Shelley, Frankenstein”, sem esquecer obras como “a Utopia de Thomas Moore (1516) e A Nova Altlântida, de Francis Bacon (1627) ou as Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift (1726)”.
O artista plástico Ward Shelley criou uma infografia muito interessante com a evolução da Ficção Científica e dos seus subgéneros intitulada History of Science Fiction (outras denominações em inglês para FC são “Sci fi” ou “SF”). Nesta infografia/ilustração aparece de forma tímida a referência a um conto de Voltaire intitulado Micromégas, Histoire Philosophic. Depois de uma leitura atenta parece-me que o pequeno conto tem todos os ingredientes para ser considerado uma obra de Ficção Científica.
Thomas Disch (2000. Pág. 34) afirma que “[Edgar Allan] Poe is the source, because people read his stories.” Relutante (devido à questão de Shelley não ter um tão grande número de leitores e não ser tão influente), Disch (2000. Pág.33),  confirma a maternidade de Mary Shelley: “(...) there remains one significant rival to Edgar Allan Poe as the genre’s founding genius: Mary Shelley, the author of Frankenstein (1818).”
Mas voltemos a Voltaire. Thomas Disch (2000. Pág. 32) infelizmente não o inclui na sua lista de “Proto-SF writers” na qual refere nomes como Rabelais, Cyrano de Bergerac e Jonathan Swift. Farei de seguida um pequeno resumo do conto de Voltaire (Micromégas, Histoire Philosophic) que pode ser lido online no sítio do Projeto Gutenberg (www.gutenberg.org).

Micromégas é um jovem habitante de um planeta que orbita Sirius. O jovem cientista e inventor é, quando comparado com a raça humana, um ser de enormes proporções e com um ciclo de vida incomparavelmente maior.
Após dissecar pequenos animais (pulgas) do seu planeta escreveu um livro sobre o assunto, o livro foi considerado herético e Micromégas foi banido por 800 anos. Viajou pelo universo: Our voyager was very familiar with the laws of gravity and with all the other attractive and repulsive forces. He utilized them so well that, whether with the help of a ray of sunlight or some comet, he jumped from globe to globe like a bird vaulting itself from branch to branch.”
Após conhecer vários planetas e vários seres Micromégas chegou a Saturno e espantou-se com o reduzido tamanho dos seus habitantes, o número reduzido dos seus sentidos e o curto ciclo de vida (apenas 15.000 anos).
Micromégas e um saturniano filósofo (secretário da academia) com quem fez amizade decidiram viajar juntos e, depois de correrem alguns planetas do sistema solar, aterraram no planeta Terra na sua nave espacial. Ao princípio o saturniano julgou ser um planeta desabitado, depois encontraram uma baleia com o auxíio de um microscópio numa pequena poça (Mar Báltico) e por fim um barco com vários humanos a bordo.
Micromégas apercebeu-se de que os pequenos seres (“átomos”) falavam entre si, como não os conseguia ouvir cortou um pequeno pedaço da sua unha e usou-a como amplificador para escutar o que os seres diziam. Usou depois um palito para poder falar com eles reduzindo a intensidade da sua voz.
Micromégas, o saturniano e os filósofos e cientistas a bordo da nave trocaram ideias e conhecimentos científicos. Falaram de guerras e da alma. Micromégas apercebeu-se que, apesar de minúsculos, o seu ego e orgulho era gigante pois no fim da conversa um deles afirmou: (...) everything would be found in the Summa of Saint Thomas. He looked the two celestial inhabitants up and down. He argued that their people, their worlds, their suns, their stars, had all been made uniquely for mankind. At this speech, our two voyagers nearly fell over with that inextinguishable laughter (…)”.
Micromégas com grande gentileza promete-lhes um livro com o “sentido de tudo”. Mais tarde, na academia das ciências em Paris, um velho secretário abre e percebe que as folhas do livro estão em branco.

Jasmina Milos (2011. Pág. 8), na sua tese Micromégas: Traduction d’un conte de Voltaire informa-nos que “Micromégas a été rédigé en 1739 et publié en 1752, pendant que Voltaire était en Prusse”. José Barros, no seu artigo Voltaire: Considerações sobre sua Historiografia e Filosofia da História (Revista da Teoria da História Ano 3, Número 7, Jun/ 2012. Universidade Federal de Goiás) diz-nos que: “Com Micromégas (1752), Voltaire chega a prenunciar o género da ficção científica (…)”. Parece-me que o conto é evidentemente uma obra de FC...
Na Biblioteca do sítio da The European Graduate School: Graduate & PostGraduate Studies (www.egs.edu) temos acesso a uma sucinta biografia de Voltaire onde podemos ler uma clara referência ao texto sobre Micromégas e seu companheiro saturniano: “In Potsdam Voltaire wrote perhaps one of the first science-fiction novels involving representatives from other planets looking at humans on earth.”
Ainda no assunto dos “Proto-SF Writers” Robert Grant (2013. Pág. 208) antes de nos mostrar a sua lista selecionada de literatura de FC (que começa com a obra de Mary Shelley) diz-nos que apesar de podermos traçar a origem do género até ao Épico de Gilgamesh (parece-me exagero!) é mais provável que tenha surgido no séc. XVII com as obras Somnium de Kepler e The other world de Bergerac, continuando a desenvolver-se no séc. XVIII com trabalhos de Swift, Defoe entre outros. Carl Sagan na sua famosa série televisiva Cosmos, no episódio Harmony of the Worlds indica a obra de Johannes Kepler – Somnium – como uma das primeiras obra de Ficção Científica. Uma fantástica viagem à Lua publicada postumamente pelo seu filho em 1634. No sítio www.johanneskepler.info o conto é anunciado como a primeira obra do género.

Literatura e cinema I: Saramago e Ficção Científica

Robert McKee, no seu livro “Story – Substance, Structure, Style, and the principles of screenwriting”, diz-nos que apesar das dificuldades em definir uma lista consensual  entre os académicos e um conjunto de elementos específicos para definir os géneros e um sistema universal, o público consumidor já se especializou em géneros cinematográficos e entra na sala de cinema com um conjunto de suposições com base no visionamento de muitos filmes. Parece-me que o mesmo se pode dizer da indústria literária.
A Ficção Científica é ainda vista por muitos como matéria para teenagers e adultos masculinos infantilizados. Isso é redutor. Obviamente que este género, como todos os géneros, tem bons e maus exemplos. Parece-me a mim que a FC tem um enorme potencial narrativo e especulativo e está em franco crescimento.
No texto “José Saramago e a Ficção Científica em Portugal” de Ermelinda Ferreira (2012. Pág. 125), incluído no livro “Cibercultura e Ficção” (com organização de  Jorge Martins Rosa), a autora cita Robert Silverberg: 

“(...) em sua coluna «Reflections» da revista americana Asimov’s Science Fiction, publicou em 2001 o artigo «Causa e Efeito» no qual diz: «Acabei há pouco tempo de ler um romance espantoso de FC escrito por alguém cujo trabalho é provavelmente desconhecido para a maioria de vocês: o português José Saramago. O romance intitula-se Ensaio sobre a Cegueira e é um exemplar assombroso da ficção científica social de Asimov: um exame das consequências sociais de um único desvio aterrador da nossa realidade.»” 

Na revista Bang! nº 0 (Novembro de 2005) José Candeias, no seu texto “Saramago: O Nobel da Ficção Científica”, diz-nos que Saramago tem somente um livro que pode ser incluído no género FC, o “Ensaio sobre a cegueira”. O autor afirma que o livro de Saramago é um livro de Ficção Científica devido à forma realista e verosímil da sua escrita e a sua coerência “quer com a premissa inicial, quer com a realidade das coisas tal como as conhecemos.” A revista Bang (Fantástico, FC e Horror) é de distribuição gratuita e os seus vários números (Portugal e Brasil) podem ser acedidos no site oficial http://revistabang.com 
Para mim, que sou consumidor assíduo de FC e Fantástico (Literatura, Cinema/ Animação e BD) é muito interessante perceber que este magnífico livro (e filme) é considerado um bom exemplo deste género (FC).

quinta-feira, abril 10, 2014

Ensino e Cinema I

O Cinema e o Ensino podem relacionar-se de diferentes formas. Luís de Pina, no seu livro de 1964 “Educação pelo cinema e para o cinema em Portugal”, estabelece logo no título duas vertentes de como as duas áreas se podem ligar. O Cinema pode ser um auxiliar do professor ou a própria matéria de estudo. Como auxiliar de ensino o autor faz a distinção entre Cinema didático, educativo e recreativo, considerando que esta divisão não é estanque e as suas fronteiras não são definidas:

“(...) é necessário distinguir entre cinema didático, educativo e recreativo. No primeiro, transmitem-se directamente conhecimentos integrados no conteúdo didáctico da lição. No segundo, os conhecimentos são transmitidos de forma indirecta, por adaptação, estando organizados no filme para transmitir uma ideia global e não segundo um esquema científico. No terceiro, finalmente, a missão do filme é essencialmente a de distrair, embora exista sempre um conteúdo susceptível de aproveitamento pedagógico”

Graça Lobo, no seu texto “Por dentro do filme – o cinema na sala de aula” faz uma distinção semelhante e divide em três domínios as possibilidades de utilização do Cinema na escola. No primeiro, ensinar “com” o Cinema o filme serve para ilustrar determinado assunto. No segundo, ensinar “pelo” Cinema o filme é construído propositadamente para o ensino. No terceiro domínio, ensinar “o” Cinema, a autora refere-se ao ensino da linguagem cinematográfica.

No que toca ao ensino do Cinema gostaria de referir os quatro Manuais do Cinema de Luís Nogueira (2010). Os mesmos estão disponíveis gratuitamente no site do LabCom da UBI (www.labcom.ubi.pt)  e os seus títulos são:

Manuais do Cinema I: Laboratório de Guionismo
Manuais do Cinema II: Géneros Cinematográficos
Manuais do Cinema III: Planificação e Montagem
Manuais do Cinema IV: Os Cineastas e a sua Arte

Estes manuais tem sido uma referência muito interessante em duas unidades curriculares (uc) que leciono no IPBeja, a uc de Laboratório de Vídeo e a uc de Argumento (em co-docência).
Não posso deixar de referir aqui a importância dos manuais da Universidade Lusófona. São vários e de grande qualidade. A questão prende-se com a gratuitidade dos livros do Luís Nogueira e com a facilidade de os disponibilizar aos alunos.
Outra coleção de livros, mas na vertente do Ensino com recurso ao Cinema é o projeto “O Cinema vai à Escola”. No site do projeto são disponibilizados “Cadernos de Cinema do Professor” em formato PDF para download gratuito (http://culturacurriculo.fde.sp.gov.br/Cinema/Cinema.aspx) . Apesar de nunca ter feito uso dos mesmos não podia deixar de os indicar neste post.
Para a uc de Argumento gostaria ainda de referir a importância do freeware Celt-x (uma maravilha) e de dois textos muito interessantes/gratuitos: um disponibilizado no site da BBC (www.bbc.co.uk/writersroom/send-a-script/formatting-your-script)  intitulado “Screeplay Format”, de Matt Carless, o outro texto é do João Nunes, com o título "Como Escrever o seu Argumento de Cinema em 30 Dias". Está disponivel em formato eletrónico no seu site (http://joaonunes.com).